Ou seja, da sociedade de produção para a sociedade de
consumo. Por outro lado, houve os processos de fragmentação da vida humana.
Quando eu era jovem, isto é, séculos atrás, ficamos impressionados com Jean
Paul Sartre, que nos disse que precisávamos criar o projet de La vie, projeto
de vida. Temos que selecionar um projeto de vida. Temos que selecionar um
projeto de vida, temos que prosseguir passo a passo, de forma consistente, ano
após ano, chegando cada vez mais próximo desse ideal. Agora, conte isso aos
jovens de hoje e eles rirão de você. Nós temos grandes dificuldades em
adivinhar o que vai acontecer conosco no ano que vem. O projeto de vida, de uma
vida inteira, á algo difícil de acreditar. A vida é dividida em episódios. Não
era assim no início do século 20. As sociedades foram individualizadas. Em vez
de se pensar em termos de a qual comunidade se pertence, a qual nação se
pertence, a qual movimento político se pertence etc., tendemos a redefinir o
significado de vida, o propósito de vida, para o que está acontecendo com uma
própria pessoa, as questões de identidade, que têm um papel tremendamente
importante hoje, no mundo. Você tem que criar a sua própria identidade. Você
não a herda. Não apenas você precisa fazer isso a partir do zero, mas você tem que
passar sua vida, de fato, redefinindo sua identidade. Porque os estilos de
vida, o que é considerado ser bom para você e ruim para você, as formas da vida
atraentes e tentadoras mudam tantas vezes na sua vida. Se eu tentasse listar as
coisas que saíram de moda a este respeito, que mudaram nos 86 anos de minha
vida, provavelmente eu levaria várias horas aqui apenas para listar todas elas.
Então, tudo isso mudou. Muitas mudanças, não apenas a passagem do totalitarismo
para a democracia, mas muitas outras coisas. E receio que não possamos,
realmente, dizer qual dessas mudanças é a mais í e vai influenciar a vida das
próximas gerações dos nossos netos ou bisnetos. Não consigo dizer se foi o
início de uma nova forma de vida, que vai durar séculos, ou se é um período de
transição, de um tipo de ordem social para outro tipo de ordem social. Quando
você está num processo de transição, fica muito difícil imaginar outro tipo de
solução estável, um acordo de convivência humana. Mais isso vem mais cedo ou
mais tarde. E até mesmo essa pergunta não dá para responder. Eu acredito que,
com algum grau de responsabilidade, posso dizer. Uma coisa é que multiplicamos,
nós, a humanidade no planeta, as conexões, as relações, as interdependências,
as comunicações, espalhadas em todo o mundo. Estamos agora numa posição em que
todos nós dependemos uns dos outros. O que ocorre na Malásia, quer você saiba
ou não, sinta ou não, tem uma tremenda importância nas perspectivas de vida dos
jovens em São Paulo. E vice-versa. Estamos todos no mesmo barco. Essa é a
primeira vez na história em que o mundo é realmente um único país, em certo
sentido. Em que o mundo é realmente um único país, em certo sentido. A segunda
questão é que, aproximadamente após 300 anos de história moderna, nosso antepassados
decidiram assumir a natureza sob a gestão humana na esperança de que eles
fariam como que a natureza absolutamente obedecesse às necessidades humanas e
teriam pleno controle do que acontecesse no mundo. Agora, isso acabou porque,
no resultado dos nossos próprios sucessos, as nossas respostas para os nossos
sucessos, o desenvolvimento da tecnologia moderna, a eficiência, ou a nossa
capacidade de produzir cada vez mais, alcançar todos os tipos de recursos
naturais do planeta, no resultado de todo esse tremendo sucesso da ciência e da
sociologia, chegamos muito perto do que, agora, entendemos ser os limites da
suportabilidade do planeta. Eu sou um humilde sociólogo. Eu não tenho
habilidades proféticas aqui. Eu nunca aprendi nehuma metodologia de profecia em
meus 61 anos fazendo sociologia. Então, eu não sei como isso afinal vai se
desenvolver. Eu só posso lhe dizer quais são os perigos, hoje, para a
democracia. Um se refere a quais são as dimensões do divórcio ente o poder e a
política. A quais são as dimensões do divórcio entre o poder e a política.
Porque, se esse for o caso, então, o Estado, a única instituição política que
temos nós não temos uma instituição política global o Estado não tem poder
suficiente para manter todas as promessas que os Estados, 50 anos atrás fizeram
aos cidadãos. E essa foi a “era de ouro” da democracia. Nos 30 anos do
pós-guerra, ocorreu uma proliferação e florescimento da democracia ideal.
Agora, a democracia está em decadência. Cada vez menos pessoas estão realmente
convencia de que seja uma coisa boa. E têm dúvida a respeito da qualidade da
democracia. Por quê? Simplesmente porque o Estado relativamente sem poder
consegue oferecer cada vez menos aos cidadãos. O que os Estados estão fazendo,
com muito poucas exceções, isto é, o que a maioria dos Estados está fazendo é
subcontratar muitas funções que o Estado deveria desempenhar. Quem sabe,
talvez, talvez aqui já estou envolvido em profecia nós inventemos uma democracia global, em algum momento. essa seria uma
solução radical, principalmente porque eu não creio que a estrutura do
Estado-nação permita que ele possa seguir defendendo sozinho o futuro da
democracia, pelos motivos eu mencionei anteriormente, certo? Então, teremos que
inventar, eu não, eu estou muito velho mas você e a sua geração terão que
inventar um equivalente global das invenções dos nossos antepassados. Eles
inventaram a democracia de âmbito nacional, a democracia representativa de
âmbito nacional, parlamentos, parlamentos modernos, eles inventaram a
jurisdição, e não leis locais, tradicionais, habituais, o direito
consuetudinário, mas um código de direito unificado para todo o país. Eles
inventaram todas as coisas que criam a democracia moderna. Se Aristóteles fosse
convidado a ir a um prédio de qualquer parlamento contemporâneo Aristóteles foi
o primeiro a usar o conceito de democracia, a descrevê-la, certo? Ele
provavelmente gostaria do que iria ver, porque as pessoas debatem, apresentam
diferentes pontos de vista, discutem, depois votam, chegam a algum acordo. Ele
gostaria. Mais, então, se alguém contasse a ele que isso é democracia, ele iria
rir, porque a democracia que ele descreveu na Atenas antiga era as pessoas
apenas indo ao mercado, brigando entre si e chegando a uma resolução. O que
significa que a democracia é uma noção que adquire, com o tempo, na história,
diferentes formas, diferentes estratégias. Então, uma coisa de que eu posso ter
certeza é de que, se vocês realmente inventarem equivalentes globais para a
democracia do Estado – nação, então será uma democracia, certo, mas não serão as
instituições democráticas que conhecemos; apenas maiores. Não serão semelhantes a essa instituições,
porque essas instituições que agora chamamos de democráticas foram criadas e
adaptadas às necessidades do Estado – nação. Castoriadis prossegue e diz que
indivíduo autônomo e a comunidade autônoma, politike,
só podem existir juntos. Um precisa do outro. Você não pode ser um indivíduo
numa sociedade tirana, numa sociedade totalitária. Deve haver uma cooperação
mútua entre as duas autonomias. Foi muito bonito, mas o perigo veio de um lado
inesperado. Quando Castoriadis escreveu suas palavras, ele as escreveu contra o
totalitarismo da época. Bem, de novo, peço desculpas por ter que lembrar o
passado pictórico, mas, quando eu era jovem, eu temia que todo o perigo George
Orwell, de forma memorável, colocou isso da seguinte maneira: “nós temos medo
da bota de um soldado prensando um rosto humano” Muito bem. Isso era um perigo,
sem dúvida alguma. Nossos antepassados e parte da minha própria geração
conseguiram superar esse perigo, afastá-lo. Nós realmente não temos mais medo,
como acontecia na minha juventude, da individualidade ser oprimida pelos
choques vindos de cima, como a polícia secreta etc. há alguns vestígios disso,
mas bastante aliviados ou mitigados por comparação. Entretanto, o perigo para
essa autonomia veio do outro lado. Da esfera do privado e do indivíduo. A maior
aproximação contemporânea da Agora, (a ágora pós – moderna) A maior aproximação
contemporânea da Agora, do lugar onde a democracia foi feita, refeita,
continuada, desenvolvida e protegida, a maior aproximação disso são os talk
shows na televisão. É onde as massas assistem, participam, telefonam, enviam
perguntas, mensagens etc.. Algo semelhante ao que se fazia na antiga Ágora. Ao
olharmos para isso, vemos que eles não estão discutindo os nossos interesses
compartilhados, eles não estão discutindo sobre o que precisa ser feito para
abolir e reparar os problemas que todos nós sofremos na sociedade atual. Eles
apenas confessam, em última análise, os problemas privados individuais e
bastante íntimos, certo? Ehrenber, sociólogo francês, afirmou-se em sua opinião, a revolução
pós-moderna começou numa quarta-feira à noite, num outono da década de 1980,
quando uma certa Vivienne, uma mulher comum, na presença de 6 milhões de
telespectadores, declarou que nunca ter tido um orgasmo durante seu casamento, porque
seu marido, Michel, sofre de ejaculação precoce. Começo da revolução, começo da
revolução. Por que começo da revolução? Porque, repentinamente, na Ágora, as
pessoas começaram a confessar coisa que eram a personificação da privacidade, a
personificação da intimidade, que vocês somente contaria, se você for católico,
ao padre, no confessionário, ou aos seus amigos realmente muito chegados ou
realmente muito íntimos. Mas você não iria à praça pública anunciar para todos.
Então, a Ágora foi conquistada, não pelos regimes totalitários, mas exatamente
pela privacidade, por coisa que anteriormente eram privadas. No confessionário,
que é a personificação, a encarnação da intimidade e da privacidade, você
conversa diretamente com Deus. É um segredo absoluto. Ninguém pode saber o que
você confessou no confessionário. Nós instalamos microfones nos
confessionários. ( o mundo pós – moderno:a condição do indivíduo)
Um viciado do Facebook me segredou, não segredou, de
fato, mas gabou-se para mim de que havia feito 500 amigos em um dia. Minha
resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui
isso. (laços humanos) Então, provavelmente, quando ele diz “amigo” e eu digo
“amigo” não queremos dizer a mesma coisa. São coisas diferentes. Quando eu era
jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha conceito de laços humanos,
de comunidades, esse tipo de coisa, mas não rede. Qual é a diferença entre
comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por
outro lado , temos a rede. O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede
é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra
é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de
amizade do facebook, como eu a chamo, está exatamente ai. Que é tão fácil de
desconectar. É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade
de se desconectar. Imagine que o que você tem não são amigos online, conexões
online, compartilhamento online, mas conexões off-line, conexões de verdade,
frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Então, romper relações é sempre
um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que
explicar, você tem que mentir com freqüência e, e mesmo assim você não se sente
seguro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc.. é difícil, mas
na internet é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500
amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá
outros 500, e isso mina os laços humanos. Os laços humanos são uma mistura de
benção e maldição. Benção porque é realmente muito prazeroso, muito
satisfatório, ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É
um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma
benção. E eu acho que muitos jovens não têm nem mesmo consciência do que eles
realmente perderam, esse tipo de situação. Por outro lado, há maldição, pois
quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você
faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso
significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã ou no mês que
vem, haja novas oportunidades. Agora, você não consegue prevê-las e você não
será capaz de pegar essas oportunidades, porque você ficará preso preso ao seus
antigos compromissos, às suas antigas obrigações. Então, é uma situação muito
ambivalente e, consequentemente, um fenômeno curioso dessa pessoa solitária
( a ambivalência da Vida )
Você não consegue ser feliz, você não consegue ter uma
vida digna na ausência de uma deles, certo? Segurança sem liberdade é
escravidão. Liberdade sem segurança é um
completo caos, incapacidade de fazer nada, planejar nada, nem mesmo sonhar com
isso. Então, você precisa dos dois. Entretanto, o problema, é que ninguém
ainda, na história e no planeta, encontrou a fórmula de ouro, a mistura
perfeita de segurança e liberdade. Cada vez que você tem mais segurança, você
entrega um pouco da sua liberdade. Não há outra maneira. Cada vez que você tem
mais liberdade, você entrega parte da sua segurança. Então, você ganha algo e
você perde algo. Há 81 anos, Sgmund
Freud publicou esse livro famoso e tremendamente profundo e influente
intitulado O mal-estar na civilização. Ele disse que a civilização é sempre um
troca,
( a ambivalência da civilização )
Ele disse que a civilização é sempre uma troca, ou seja,
você dá algo de um valor para receber algo de outro valor. E ele disse ele
escreveu isso nos anos 1920, naquela época, ele disse que o problema deles, da
velha geração, foi que eles entregaram
liberdade demais em prol da segurança. E estou profundamente convencido de que,
se Freud estivesse dando essa entrevista aqui, no meu lugar, ele provavelmente
repetiria que toda civilização é uma troca, mas o seu diagnóstico seria
exatamente o oposto, que os nossos problemas hoje derivam do fato de que nós
entregamos demais a nossa segurança em prol de mais liberdade. Esse é um
dilema. Eu acho que já sinto alguns sinais prodrômicos de que o pêndulo está
começando a voltar em direção a mais segurança. O Estado social vem de novo em
favor do público. As pessoas sonham com ele, elas querem poderes mais fortes e
mais estabilidade, um pouco mais de estabilidade. Está muito no início. Não estou dizendo que
já estamos no caminho certo, mas há sinais de que isso está acontecendo. Então,
minhas conclusões são duas: em primeiro lugar, você nunca encontrará uma
solução perfeita do dilema entre segurança e liberdade. Sempre haverá muito de
uma e muito pouco de outra, certo? E a segunda é que você nunca irá parar de
procurar essa mina de ouro. Eu não acredito que haja apenas uma forma de ser
feliz. Há muitas forma de ser feliz.
Neste pequeno livro que escrevi sobre A arte da vida, há dois
fatores relativamente independentes que dão forma à vida humana. Um eles é o
destino. O destino é o apelido para todas as coisas sobre as quais não temos
nenhuma influência; é o que acontece conosco, mas não foi causado por nós. E o
outro é o caráter. O caráter é algo muito individual, você pode trabalhar em
cima do seu caráter, se quiser, você pode mudá-lo, melhorá-lo, boa parte dele
está sob seu controle. A divisão de trabalho entre o destino e o caráter é tal
que o destino estabelece a gama de opções que são realistas para você. Sobre
isso você não tem nenhuma influência. Se você tivesse nascido 20 anos antes,
suas gama de opções seria diferente; se você tivesse nascido 20 anos depois,
novamente seria diferente; se você tivesse nascido neste bairro rico, você
teria uma gama de opções; se você tivesse nascido num gueto, seriam opções
completamente diferentes. Mas sempre há gamas de opções proporcionadas pelo
destino. Porém, as escolhas entre essas opções são feitas pelo caráter. E como
os tipos de caráter são muitos e bem diferentes, não é possível dar uma receita
para a felicidade. Eu sei que hoje existem consultores ganhando muito dinheiro
fingindo que possuem receita para a felicidade. Não acreditem neles, eles
estariam enganando você. Eu jamais ousaria dar esse tipo de consenho. Não estou
me comparando a Sócrates, mas muitos filósofos contemporâneos
( a vida como
criação )
Mas muitos filósofos contemporâneos consideram a vida de
Sócrates, sua personalidade, como a relativamente mais perfeita possível que se
pode imaginar como a relativamente mais perfeita possível que se pode imaginar.
Mas o que isso significa? Significa que o tipo de vida escolhida por Sócrates
era considerada a solução perfeita para Sócrates? Significa que todas nós
devemos imitar Sócrates e tentar ser iguais a ele?não, pelo contrário, porque
Sócrates precisamente considerava que o segredo de sua felicidade estava no
fato de ele próprio, ter criado a forma de vida que ele viveu. As pessoas que
imitam a forma de vida de outra pessoas, o modelo de felicidade de outra
pessoa, não são como Sócrates. Pelo contrário, elas traem a receita dele. Elas
traem a sua receita. Precisamente porque sua receita..., bem, você pode
traduzir isso em termos simples, dizendo que para cada ser humano há um mundo
perfeito dizendo que para cada ser humano há um mundo perfeito feito
especialmente para ele ou para ela.
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